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É possível viver para além disto!

É possível viver para além disto!

Vender a alma ao diabo

03
Set20

Desaparecida me confesso.

Confesso que depois de ter aparecido por aqui, pensei que me estava a (re) encontrar.

O problema foi que após ter vindo aqui, penso que umas duas semanas depois, numa cerimónia fúnebre familiar a que fui, vejo-me confrontada com situações do passado, que voltaram a fazer-me sentir insegura, desprotegida, abandonada, sem importância, enfim, sem saber muito bem o que devia fazer.

Isto porque, não pela mesma pessoa que me perseguiu no post passado, mas por alguém relacionado com ela, sou empurrada, para que me impedisse a passagem, e num momento de raiva, essa pessoa acaba ainda por me bater na zona do peito, sem que eu nada fizesse para me defender e sem que todas as pessoas que ali estavam se mexessem para me defender. 

Saí do cemitério (sim, isto passou-se num cemitério!) sozinha, a chorar, sem saber o que fazer ou para onde ir, apercebendo-me que atrás de mim, seguia o Padre que tinha estado na cerimónia, sem nunca me perguntar se eu precisava de alguma coisa. Estava completamente sozinha.

Ninguém me perguntou se eu precisava de alguma coisa. Se eu estava bem. Se...

Vagueei durante uns minutos pela cidade, não sabendo para onde me dirigir. Não sabendo quem procurar. Não sabendo nada.

Não sentia raiva. Não estava zangada. Antes sentia uma tristeza e um vazio profundo.

Questionei-me durante aquele período como é que era possível que aquilo tivesse acontecido ao pé de pessoas que eram da minha família e ninguém se tivesse mexido para me ajudar.

Depois lembrei-me que tinha sido sempre assim. Quando era pequena todos sabiam o que se passava em minha casa e nunca fizeram nada para me ajudar, nunca se meteram, nunca se quiseram envolver, porque fariam agora quando já sou adulta? 

E tudo voltou. E tudo se perdeu. 

Para perceberem o que senti, imaginem que estão numa rua movimentada, durante o dia, que naquele sítio há imensas pessoas à vossa volta e que, do nada, alguém vos agarra, vos manda darem as vossas coisas, tudo isto, em minutos, que acreditem que vos parece segundos, em que vocês sabem que há gente a assistir, mas que nada fizeram para vos ajudar. Conseguem sentir? Conseguem perceber a desprotecção de que vos falo?

Não sei se esta é a sociedade que nós temos. Eu sei que é a sociedade em que eu vivo. 

E foi isto que me levou a regredir. E tem sido difícil voltar a levantar. Tem sido difícil sentir que valho mais do que aquilo que sinto que valho. Tem sido difícil reerguer-me...sozinha.

Podia ter ficado por aqui. Faz hoje dois meses. Podia ter ficado por aqui. Mas não ficou.

A partir daí tudo se desmoronou.

Devido ao que se passou tornei-me mais insegura. E talvez mais exigente no precisar. No estar. No sentir. 

Relações familiares que, ainda que complicadas, se iam aguentado, já não se aguentam.

Relações de amizade que, ainda que sempre lá, também se sentem desgastadas com isto.

A vontade de conviver diminuiu.

A vontade de sorrir às vezes é dolorosa.

A saudade é complicada.

Tudo se desmorou. Ou tudo se tornou mais confuso. 

Por causa do que aconteceu fui impedida de ver o meu (novo) amor maior. 

Eu é que sou a vítima, mas o agressor é que se acha com o direito de me continuar a magoar.

Quando decidi dizer "basta", sou informada que ou me voltava a dar com uma certa pessoa, o meu pai, ou não voltava a ver o meu (novo) amor maior.

Pela primeira vez,  em muitos meses, senti raiva.

Como era possível estarem a usar uma criança como arma de arremesso? Como se de um brinquedo se tratasse? Como era possível?

Depois da raiva veio a saudade. A saudade do meu amor maior. A saudade do ver crescer. De saber como ele está. De lhe dizer que gosto dele. De o pegar ao colo. De o fazer rir. Saudade.

Inspirei fundo. E liguei ao meu pai. Se era esse o preço a pagar, era isso que fazia. 

Foi horrível. Naquele momento tinha acabado de vender a alma ao diabo e quando desliguei, só me apetecia voltar atrás no tempo. Mas já não dava. 

E, por outro lado, ia conseguir estar com o meu amor maior. Podia abraçá-lo. Acalmar a saudade. Podia dar-lhe, ainda que por um bocadinho, aquilo que é mais importante que tudo o resto: amor.

Mas não estava convencida e procurei quem me podia acalmar a alma (para além do mar), o meu anjo que me disse: "(...) De resto, segue o teu coração. Dessas decisões não te arrependerás, sendo elas "certas" ou "erradas". Para o coração não há essa distinção.(...)"(SS).

Acalmei. Era verdade. Eu estava a seguir o meu coração. E decidi ir ter com o meu amor maior. E foi tão reconfortante. De coração cheio.

Mas sabia que era efémero, porque eu sabia que não podia continuar a vender a minha alma ao diabo, ainda que isso me custe a saudade. 

No dia a seguir alguém me disse: "Não vendemos a alma ao diabo, quando um bem maior está em causa, o Amor. O diabo está do outro lado." (FL).

É mesmo verdade e o problema é que o diabo não está do outro lado, está mesmo aqui ao lado.

 

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Voltar a encontrar o (meu) caminho

23
Jun20

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O desconfinamento começou. Sei que já estamos nesta situação há algumas semanas, mas só agora parei para começar a reflectir no assunto e como me sinto.

A verdade é que o confinamento fez-me (muito) bem. Consegui estar comigo própria, lidar com os meus próprios medos, inseguranças e receios. E, admito, não me importava de ter continuado. Tinha o meu porto seguro. O meu canto. Estava protegida. Tive tempo para as minhas coisas. Tive tempo para mim. E, apesar das saudades da família, não senti (muito) a falta da vida pessoal.

Até que as coisas começaram a abrir. Deram-nos autorização para sair de casa. Deram-nos autorização para nos juntarmos - ainda que com distância social - com outras pessoas. Depois dão-nos autorização para podermos ir aos restaurantes, às praias, aos centros comerciais, desde que com máscaras.

Comecei por resistir. Quando começámos a poder circular livremente, entrei no carro e fui ver a minha família. Foi estranho. Nada de abraços. Nada de beijos. O cuidado de lavar as mãos. O cuidado de não estar muito próximos. Foi estranho e cansativo. E voltei para casa.

Fechei-me mais quinze dias. Saía para ir às compras do que era necessário e resguardava-me. Quando volto a ir ter com a minha família, já podíamos ir a restaurantes. Já podia estar com amigos, ainda que com máscaras. Queria resistir, enquanto os amigos e família me pediam que cedesse.

Cedi e fui. Comecei por um passeio na praia com amigas. E mais tarde um almoço ao fim de três meses numa esplanada de um restaurante. Estava a conseguir. Achava eu que estava a conseguir.

Nessa altura, sou confrontada com uma situação num supermercado que mexeu comigo. Percebo que de máscara será difícil pedir ajuda quando queremos fazê-lo discretamente. E penso se não me deveria resguardar novamente. Se não estava a querer dar um passo maior que a perna. 

Não o fiz.

E aí começou todo um burburinho na minha cabeça. Toda uma gestão de emoções que não quis admitir que estavam acontecer e isso começou a mexer demasiado comigo.

Mantive a postura que estava tudo bem, que aos poucos estava a conseguir retomar a (a)normalidade e comecei a conviver socialmente. A obrigar-me a isso.

E ao obrigar-me a isso não percebia o mal que me estava a fazer. 

Eu precisava de tempo. E não me dei esse tempo. E agora acho que sofro as consequências por ter começado a ceder, por ter começado a desrespeitar o que sentia..

Não me sinto tão bem. Não me sinto tão protegida. Não me sinto tão eu.

E quando consegui assumir isto para mim própria, decidi que devia voltar a procurar ajuda. Aquela ajuda que não tinha precisado na quarentena. 

E lá chegada, disse: "Eu sinto-me bem comigo, o problema é voltar a contactar com os outros, voltar a estar com outras pessoas, voltar a conviver." 

Mal eu sabia o quanto me estava a enganar. 

O problema não são os outros. O problema sou eu própria. O problema é que depois de tanto tempo isolada, sozinha, protegida, quando voltei a conviver, não me soube proteger. Não soube proteger uma parte de mim que, na vida social, precisa de ser protegida. E ignorei-a. E o meu inconsciente, nalgumas situações do dia-a-dia, precisou de me alertar que estava a esquecer uma parte de mim. E isso consumiu-me.

Não está nada de errado. Não regredi. Não desci para o fundo das escadas e não tenho toda uma escada para voltar a subir. 

Tenho apenas de aprender a proteger-me ao pé dos outros. A não deixar uma parte de mim só. Tenho que aprender que eu sou um todo. E que nesse todo, com as duas partes interligadas, eu vou conseguir estar bem comigo, mas acima de tudo estar bem comigo ao pé dos outros. E aí...aí vou voltar a sentir o que sentia quando estava confinada à minha casa. Sozinha e sendo a minha prioridade.

E quando isso acontecer...atingi o topo das escadas. Que posso voltar a descer, mas saberei sempre como voltar a subir, com mais ou menos dificuldades.

Tenho apenas que me integrar num todo. E esse é o meu caminho. Mais do que o desconfinamento. Tenho que voltar a centrar-me no meu caminho. A centrar-me em mim.

A (curta) homenagem.

01
Jun20

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Já vos falei aqui do meu anjo. Daquele anjo que um dia apareceu na minha vida e a transformou por completo.

Podem não acreditar, mas foi no exacto momento em que conheci o meu anjo que percebi que a minha vida nunca mais seria a mesma. 

Houve qualquer coisa naquela pessoa que me cativou. Que me fez ver que para se manter na minha vida, eu teria que olhar mais para dentro de mim. 
Algo mudou em mim. 

Primeiro tive medo. Medo de deixar entrar essa pessoa na minha vida e não ser capaz de a manter. E afastei-me.

Mas a capacidade do meu anjo de chegar até mim, levou a melhor. 
Quis tornar-me uma pessoa melhor, sabendo que havia muita coisa que nunca tinha partilhado com ninguém. Que havia muita dor que estava em mim e que a transformei em medos, inseguranças, receios.

Passaram alguns anos desde que conheci o meu anjo. Como vos partilho aqui, procurei ajuda, encontrei a minha criança interior que andava perdida, comecei a olhar mais para mim e menos para os outros. Muita coisa mudou, menos o meu anjo. 

Apesar de tudo, manteve-se ao meu lado. Sempre. Nesta minha luta interna, deixou-me ser eu. E mostrou-me que é exactamente por ser como sou, que gosta de mim. 
Foi o melhor que me aconteceu. Foi o meu Euromilhões.

Hoje escrevo-vos sobre o meu anjo, porque, nós falamos de tudo. Mas, havia (e, certamente, haverá) coisas que nunca tinha falado com ninguém e que, recentemente, decidi partilhar com o meu anjo. 

Não recebi um olhar de compaixão, de pena. O que recebi foi um silêncio de não saber como tinha sido capaz de lidar com aquilo sem falar.

E foi por isso, ou é por isso, que com essa pessoa sou EU. Sem tirar nem pôr. 

Não há pena ali. Talvez o que haja é o sentimento de não ter aparecido mais cedo. 
Só que eu digo-lhe, muitas vezes (e não sei se suficientes), que apareceu na altura certa. Que apareceu no exacto momento em que precisava de ser salva.

Salva! Foi exactamente isso que este meu anjo me fez. Salvou-me. Salvou-me de cair bem fundo no poço. De ignorar o que sentia e de sobreviver, para começar a viver.
Salvou-me! 


E fê-lo, porque é de uma capacidade extraordinária de ver para além do seu eu, de como fazer o contrário da generalidade das pessoas que "no final do dia, so elas interessam.".

Não é (sempre) altruísta, mas não é egoista. Está lá. Sempre. Quando preciso. Quando não preciso. Com um abraço. Com uma palavra. Com um dar a mão que nunca tinha sentido na vida. 
Com o meu anjo, deixei de sentir que a vida não tinha sentido. Pois fez-me ver que a vida era muito mais que o meu passado. 

Devo-lhe isso. Devo-lhe ter me colocado no caminho certo. De não ter desistido de mim, quando quis fazê-lo. Mas devo-lhe também esta (insuficiente) homenagem. 
É o meu anjo. O meu porto de abrigo. O meu pilar.

É tudo isto e muito mais. E merece isto e muito, muito mais.

Sei que o meu anjo sabe. Mas agora vocês também o sabem.

 

Sozinha..sim ou não?

23
Abr20

Uma criança é sempre uma criança, seja em que família "calhar" e crescer.

Há aquelas crianças que ainda antes de nascerem têm o seu destino traçado, pais toxicodependentes, mães solteiras que não têm capacidade para cuidar delas, as que são indesejáveis, etc.. As chamadas crianças de risco.

Sempre achei que o "calhar" na família x ou y tinha um sentido. Algo estava destinado à nossa pessoa. Vínhamos com uma missão e se essa missão fosse mais difícil seria porque estávamos preparados para ela.

Eu calhei numa família cujo conceito de "família" não se pode usar. Fomos sempre uma família desunida.

Os meus pais falavam-se muito. A toda a hora. Mas união não havia. Era cada um por si na tentativa de sobreviver.

Eu e o meu irmão só não andávamos à chapada constantemente porque eu me queria proteger. E evitava-o.

De vez em quando tentava - na minha inocente forma de querer uma família - aproximar-me do meu irmão. Mas havia ali uma sensação de ódio que pairava no ar. 

Fui crescendo e fui procurando essa união noutras coisas, noutras pessoas. Na escola, no desporto, nas brincadeiras que sozinha inventava. Sempre achei que ganhávamos mais em trabalhar em equipa do que sozinhos. 

Sempre tentei incutir isso na minha família, mas sem sucesso. Esse sentido de equipa e união ficou em mim, ainda que na tentativa infrutífera de que os meus pais e irmão sentissem o mesmo. Ou melhor, quisessem o mesmo.

Já aqui falei sobre isto. Sei que nasci nesta família por algum motivo. O motivo? Esse ainda não sei, mas acredito que - ainda que no final da vida - o vou descobrir. 

E não foi sorte ou azar. Foi porque tinha que ser. 

E neste isolamento tenho pensado neste espírito de equipa que sempre quis incutir na minha vida. 

Quando se começou a falar no isolamento tinha duas hipóteses: manter-me no meu espaço ou fazer malas por tempo indeterminado e seguir para a cidade onde nasci, fazendo companhia à minha mãe.

No início a decisão pareceu-me simples: manter-me em casa. Estaria no meu espaço, com as minhas coisas e durante a semana trabalhava normalmente, ainda que em "tele-trabalho".

O tempo foi passando e começaram-me a questionar: "quando vais para a cidade?",  "mas tem alguma lógica ficar cada pessoa em sua casa?", "vais ficar aí sozinha?".

Ao que eu respondia: vou ficar aqui sozinha. Vou e pronto.

Não entendia a persistência da minha família. Protecção? Ao fim de mais de três décadas é que decidiam proferir o "espírito de união" que nunca tivémos? 

Não entendia. 

Tudo bem que vivo sozinha, que a minha mãe vive sozinha e que o meu irmão tem a sua família. A lógica seria ser eu a deslocar-me. Ou a minha mãe deslocar-se para ao pé do filho, porque não?

Não pensem que não ponderei tudo isto. Ponderei.

Só que pela primeira vez na minha vida, esqueci o que era ser uma "equipa" e pensei "individualmente".

E tinha que ser. Quando andamos tantos anos a lutar contra a corrente, esgotamos as forças. Eu sempre tentei chegar ao meu irmão, sem sucesso. Eu sempre tentei um equilíbrio entre os quatro, sem sucesso. Eu sempre quis dar-me com o meu pai, ainda que isso me magoasse. Eu sempre quis pensar como família, enquanto todos pensavam individualmente.

Eu que sempre pensei nos outros e não em mim. Desta vez, decidi que era altura de pensar em mim e do que me faria bem.

E aqui estou, não propriamente sozinha, felizmente. Mas em minha casa, no meu espaço.

Este isolamento e esta decisão não foram tomados de ânimo leve, claro. Havia que ponderar os prós e contras, havia que ponderar se seria capaz de me aguentar tanto tempo comigo própria. Não sabia se o era. Era um risco.

Não me aconselhei com ninguém. Fui deixando a água correr, consciente de que a cada pergunta, a minha resposta era: "eu fico".

Hoje enquanto fazia "scroll" no instagram deparei-me com uma frase que era "és a tua prioridade?" e parei. Estanquei naquela publicação. E reflecti. E depois fiz algo que raramente faço, comentei: "este isolamento trouxe-me exactamente a resposta a isso. Hoje sou a minha prioridade e que bom que é.".

Mas acrescento. Depois disto sei o que quero e o que não quero. Sei o que quero receber da minha família e do resto da vida. Sei o que mereço receber. E sei o que não quero.

E durante anos não soube. Ou não sabia. Ou ignorava que não recebia aquilo que merecia. Que recebia, muitas vezes, o que não queria.

E se é verdade que ainda quero a união, o espírito de equipa. Duvido que o isolamento para as restantes pessoas da minha família tenha trazido isso. Há uma preocupação necessária, mas não sei se sempre genuína. Há, sei hoje, muita coisa escondida neste isolamento e isso entristece-me.

Por isso, posso não ter nascido na família funcional, posso não ter conseguido transmitir aos outros membros o espírito de união, posso, até, durante anos, ter-me esquecido de mim. E posso ter demorado a aceitar isso.

Mas este isolamento trouxe-me a força necessária para dizer, nada mais, nada menos, que eu sou a minha própria prioridade. E se isso for assim, posso tudo, sem medos. Até estar mais de um mês sozinha em casa. 

Na verdade, nunca estive sozinha em casa. Nunca me senti sozinha em casa. Porque estive sempre comigo.

E isso...já ninguem me tira!

A noite!

20
Abr20

Isolamento. Aquela palavra que todos temos na cabeça há um mês e...qualquer coisa. Já nem sei desde quando estou fechada em casa, mas não é disso que vos quero falar agora.

Ao longo da minha vida, dormir sempre foi - hoje sei - uma óptima protecção. Enquanto dormia nada se passava. Não assistia a nada. Não sabia de nada. E era feliz no meio dos meus sonhos.

Dormir para mim é quase tão simples como respirar. É deitar a cabeça no braço do sofá, encostá-la ao banco do comboio ou a qualquer outro sítio que me conceda conforto para "passar pelas brasas".

Com excepção da noite. À noite sempre foi mais difícil de adormecer. O silêncio e o escuro levavam a minha mente para medos que nem eu própria sabia que sentia. Era onde se encontravam todas as minhas inseguranças. E demorava a adormecer.

Quando era pequena adorava adormecer no sofá. Sabia que, nessa altura, alguém me daria colo. Pegaria em mim com cuidado, levar-me-ia para a cama e tapar-me-ia com o cuidado de não me acordar. Hoje sei que adormecer no sofá era algo mais que o simples acto de adormecer no sofá.

Cresci. Mas adormecer no sofá continua a ser um hábito. Já não tenho quem me transporte para a cama com cuidado, mas adormeço acompanhada com a televisão ligada e sei que, em momento algum, no silêncio da noite as minhas inseguranças aparecem. A televisão distrai-me disso. Sei que não faz bem, mas é a única forma de eu a cair no sono à noite.

Neste isolamento passei por várias fases. Adormecia no sofá assim que acabava de jantar, desligando o wi-fi para que as notificações de conversas de grupos no whatsapp não me acordassem. Depois decidi que nos dias em que trabalhava (ainda que em teletrabalho) ia adormecer para a cama, vendo lá a televisão e programando para que se desligasse daí a 1 hora. 

Outros dias (a maior parte) houve em que a preguiça de me levantar do sofá e procurar o fresco da cama me fizeram adormecer no sofá e acordar às tantas da madrugada. Aí sabia que o sono tinha sido interrompido, mas também sabia que enquanto dormi no sofá não tinha sonhado com nada. O problema é que quando me mudava para a cama, aí no período entre as 5h30-7h30 da manhã, tinha pesadelos. Ou sonhos menos bons. E isso andava a ser frequente. Mais do que eu queria admitir. 

E tem sido assim. 

Mas ontem cansada de estar no sofá, decidi que o ideal seria ir adormecer na cama. Tinha passado o dia a ver filmes na sala e a tentar ler qualquer coisa e pensei que o melhor era pôr alguma coisa light na TV do quarto e adormecer já na cama, aí não havia interrupção de sono.

Pois, só que não aconteceu exactamente como eu imaginava. 

Adormeci relativamente rápido, quase sem televisão, porque entre o adormecer e a televisão desligar-se, o barulho incomodou-me e eu desliguei. Correndo o risco das minhas inseguranças voltarem, mas não. Adormeci em minutos.

Só que eram umas seis da manhã e acordei. Despertei. Vi as horas e pensei "ainda é de noite, posso dormir", senti o lusco-fusco vindo da janela e virei-me para o outro lado para dormir. E nada.

Sentei-me na cama. Não me conseguia recordar do sonho que me tinha levado a despertar. E aquilo incomodou-me. Depois ouvi um barulho. E tremi. Recordei o sonho. Ou pesadelo. Andara a ser perseguida, fugia de alguém ou de alguma coisa desconhecida. Mas não me lembrava demais nada.

Acalmei. Tentei que as pulsações abrandassem. Voltei a deslizar para dentro da cama e fechei os olhos. Não dava. Não parava.

Decidi que tinha que ligar a televisão e distrair os meus pensamentos com a coisa mais ridícula que estivesse a dar. Escolhi desenhos animados e voltei adormecer.

Voltei a sonhar. E aí o sonho trouxe-me os meus medos e inseguranças. Agora sei-o. Passei o dia todo a reviver o sonho. A aprender a lidar com ele. 

Sonhei que a minha Mãe tinha morrido. Mas que continuava ali ao pé de mim. Falava comigo, explicava-me o que aconteceria no momento em que me despedisse dela (no funeral, talvez). E eu ignorava o tempo todo que a minha Mãe tinha morrido. 

Lembro-me de termos ido a um café dos meus tempos de infância, onde era hábito os meus pais tomarem o seu café depois de almoço, de me darem os sentimentos. E de eu questionar essas palavras porque a minha Mãe estava ali ao meu lado, à frente daquelas pessoas. Não fazia sentido.

Também fomos a um jardim. Estranho nunca passeie num jardim com a minha Mãe. Somos ambas muito mais de praia. Nesse jardim vieram pessoas ter comigo, perguntavam quando era a despedida (mas qual despedida?!) e se eu estava bem (claro que estava, a minha mãe estava ali comigo!).

Não cheguei a sonhar com a despedida. A última imagem do sonho que tenho é a minha Mãe sentada numa mesa lá ao fundo a dizer "prepara-te". E acordei.

Acordei com o maior aperto no peito que alguma vez senti.

Peguei no telemóvel, precisava de falar com a minha Mãe, saber se ela estava bem. Mas o meu telemóvel notificou-me de um e-mail que dizia "Olá, (...)". Era trabalho, mas era da minha Mãe e descansei.

Dizem que sonhar com a morte dá anos de vida a essa pessoa. Não sei se dá ou não. 

Sei que o isolamento me está a trazer novamente ao de cima os meus medos.

Sei quem preciso de ter ao meu lado, já os escolhi há muito. Sei quem quis que saísse da minha vida, de sangue ou não. 

Só não sei lidar com isto. E este sonho ... deixa-me com medo de voltar a fechar os olhos esta noite. 

Sei que são apenas sonhos, sei que é apenas o meu inconsciente com tudo o que se passa a mostrar os meus medos, só que também sei que sou perita em reviver sonhos noites e noites seguidas. E tenho receio. 

E como se combate esse receio? Do silêncio e da noite? Nunca tinha pensado bem sobre o assunto. Agora sei que é algo que tenho que trabalhar. E vou fazê-lo.

É só mais um degrau a subir nesta etapa que é a Vida.

 

[Nota:

Ah, sim. Sempre sonhei muito. Sempre me lembrei dos sonhos. Sempre fui aquela criança que quando acordava conseguia escrever com exactidão tudo o que tinha vivenciado no mundo dos sonhos. 

Diziam que era por isso que dormia tanto. Porque enquanto dormia o meu corpo e mente não descansavam. Hoje acho que não era só isso.]

Abraçar o mundo

16
Abr20

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(imagem pinterest)

 

 

Havia uma menina que sempre teve muitos sonhos. 

Diziam-lhe muitas vezes que parecia que sonhava acordada e a menina ria-se. Não parecia, sonhava mesmo.

Um dos sonhos que não lhe saía da cabeça era o de chegar à lua e poder ver o mundo de cima e de o poder abraçar.

Vivia com a sua avó e um dia quando chegou a hora de dormir a menina perguntou à avó se naquela noite podia ser ela a contar a história. A avó disse imediatamente que sim, adorava ouvir as histórias da neta, que sabia mais não serem do que os sonhos dela.

Mas antes de começar, a menina fez a avó prometer que não se ia esquecer daquela história. E quando a avó ouviu aquelas palavras, perguntou espantada: - porque me pedes isso?

A menina ficou com receio de que a sua resposta pudesse magoar a avó, mas disse: - Avó, sinto que nos últimos tempos andaste mais esquecida. Não sabes se puseste sal na sopa, onde deixaste a chave de casa ou se já tomaste os comprimidos. E eu não queria mesmo que te esquecesses desta história. 

A avó sentiu um aperto no peito, sabia que o que a neta dizia era verdade, mas não queria admitir que se esquecia mais das coisas que a própria neta achava. E com um sorriso nos lábis tentou descansar a neta: - Não sejas tonta, achas que eu era capaz de me esquecer de alguma coisa vinda de ti? Agora conta lá a história que tens que ir dormir.

E a menina começou.

"Era uma vez uns meninos que queriam muito abraçar o mundo. Quando contaram aos seus pais a ideia, os pais acharam aquilo muito disparatado. Diziam-lhes que deviam pensar em coisas mais reais e que, em vez de andarem sempre a sonhar, deviam era andar com os pés na terra. Deviam estudar e ser os melhores alunos, serem educados, responsáveis, porque a vida não era fácil e não dava para esses sonhos ridículos.

Sempre que ouviam os pais dizer isso, os meninos sentiam uma vontade imensa de chorar e de dizer aos pais que um dia lhes iam provar que iam conseguir abraçar o mundo. 

Sentiam-se incompreendidos em casa. Os pais andavam sempre ocupados com o trabalho e no final do dia não tinham paciência para eles. As discussões eram tantas que só a sonhar é que aqueles meninos eram felizes.

Então um dia os meninos decidiram que só podiam abraçar o mundo se soubessem como era o mundo lá fora.

Por isso, decidiram ir perguntar a quem conheciam, como poderiam eles abraçar o mundo.

Foram ao Sr. Zé do café da esquina e perguntaram-lhe: - Sr. Zé, como podemos abraçar o mundo?

O Sr. Zé olhou-os curioso. Aqueles meninos tinham uma imaginação muito fértil e respondeu-lhes: - Meus meninos, só vos posso responder falando por mim. Eu abraço o mundo todos os dias quando sei que os meus clientes saem felizes daqui. Aí sei que consegui abraçar o mundo.

Os meninos não perceberam muito bem, mas agradeceram. E foram à D. Maria da mercearia.

Lá chegados fizeram a mesma pergunta. A D. Maria respondeu-lhes que abraçar o mundo para ela acontecia sempre que colhia o que tinha plantado e podia vender essas coisas boas aos seus fregueses e que isso ia estar na mesa das pessoas à refeição. 

Mais uma resposta que não percebiam. Como é que aquilo era abraçar o mundo? Não era essa a ideia deles.

Foi quando decidiram que só havia uma pessoa que lhes podia responder a isso, o avô João.

E foram a correr ter com ele. O avô João estava sentado com o seu chapéu de palha e a jogar palavras cruzadas quando eles o viram:

- Avôôôô, precisamos de te fazer uma pergunta. - Gritaram os meninos assim que o viram.

- Que gritaria é essa? Acalmem-se primeiro e eu depois respondo a tudo o que vocês quiserem.

E os meninos explicaram ao seu avô o seu sonho, que tinham ido falar com o Sr. Zé e a D. Maria, mas que não tinham percebido nada da resposta deles.

O avô sorriu, tinha um orgulho tremendo nos netos e adorava que eles tivessem aquele sonho, porque, há muito, muitos anos, também ele o teve e explicou-lhes:

- Meus queridos netos, tudo aquilo que o Sr. Zé e a D. Maria vos disseram é a mais pura forma de abraçar o mundo. Também eu todos os dias abraço o mundo quando vou à padaria comprar pão fresco para a avó, quando lhe leio um livro ou quando vos vejo a chegar a casa vindos da escola.

Os meninos continuavam sem entender. E o avô percebendo a cara de espanto dos netos continuou:

- Abraçar o mundo é quando tratamos com amor aquelas pessoas que são o nosso mundo. Vocês, a avó Zeza, o vosso pai ou a vossa tia. Porque se tratarmos bem o nosso mundo, se cuidarmos dele, se soubermos que fizemos alguém feliz com as nossas acções, ou simplesmente com um sorriso, dentro de nós há uma explosão de felicidade. Isso é abraçar o mundo, o meu mundo.

Os netos sorriram um para o outro e correram a abraçar o avô João. Sabiam que ele era um sábio, mas aquilo era mais que isso, ele tinha-os ajudado na missão: agora já sabiam como abraçar o mundo.

À noite, quando chegaram a casa e viram-os pais carrancudos, disseram-lhes: - hoje abraçáms o mundo e sabemos como o podemos abraçar todos os dias. Mas temos pena que vocês não queiram abraçar o mundo connosco.

Os pais olharam para os filhos sem perceberem nada, pois na cabeça deles era mais uma ideia disparatada.

Só que aqueles meninos sabiam que naquele dia, abraçar o mundo, o deles, só dependia deles próprios. E sorriram."

Quando a menina acabou de contar a história, sorriu e adormeceu.

A avó levantou-se, beijou-lhe a testa e agradeceu. Sabia que tinha passado à neta o melhor que existe no mundo, o amor. E que abraçar é a forma maior de mostrar esse amor.

E sorriu, sabendo que nunca iria esquecer aquela história.

Sair da zona de conforto

26
Out19

Estes dias tenho estado de férias. Quando esta semana se proporcionou, pensei que um "retiro" me iria fazer bem. Estava num período da minha vida em que a terapia estava a "abrandar", no sentido de não ir semanalmente ou quinzenalmente, mas sim mensalmente e pensei que era a altura ideal para sair da minha zona de conforto.

Na semana em que começo a planear esse meu "retiro", há um episódio na minha vida que me faz descer dois ou três degraus na escada que andava a subir e receei se era a altura ideal para sair da minha zona de conforto.

Não sabendo como agir, pedi ajuda à minha terapeuta que também ficou receosa. E nesse momento percebi que aquela queda de dois ou três degraus tinha-me levado com medo do que o incerto ou o retiro me pudessem fazer. 
E não saí da minha zona de conforto. Não arrisquei a sair do país sozinha, porque ainda não estava preparada para o que aquela experiência me podia trazer. 

Mexeu muito comigo o ter recuado nessa minha ideia de sair da minha zona de conforto, pois em determinado momento achei que estava capaz.

Eu não sei se era isso que precisava de mostrar a mim própria: que era capaz.

Hoje, no dia em que terminam as minhas férias (sem) retiro, penso que se tivesse ido para fora me teria destabilizado. Porque eu tenho um ponto de equilíbrio, que me faz andar bem, calma e serena, que ainda tem muitas arestas para limar e questiono-me se esse ponto não teria desaparecido se eu tivesse arriscado.

E isto tem uma explicação:

Eu estou num processo de auto-conhecwcimento e desenvolvimento pessoal.

Durante anos neguei que o que passei em pequena me influenciava. Que o facto de os meus pais não demonstrarem que se preocupavam (porque acredito que, principalmente a minha mãe, se preocupava/preocupa), ou se eu me estava a divertir ou perguntarem simplesmente "como estás" mexia muito comigo. 
O ter negado isso durante todo esse tempo tornou-me frágil ou com necessidade de que reconheçam que mereço (sempre) mais.

Agora consigo assumir isso. Consigo assumir que preciso que na chamada diária da minha Mãe me seja perguntado "como estou". Ou se estou de viagem me seja perguntado "isso é giro?" ou "estás a gostar?". Coisas simples, demasiado simples, mas que eu não tenho e, na verdade, nunca tive.

Antes, incomodava-me mas eu não o dizia. Hoje já expresso que isso me incomoda, ainda que sem efeitos práticos. Porque a resposta, ainda que silenciosa é "se nunca o fiz, porque raio vou começar a fazer agora?".

Por isso, após esta semana de férias retiro dentro do país, a percorrer Portugal e a conhecer coisas lindíssimas, sei que é nisso que tenho que trabalhar. 
As pessoas vivem tão no mundo delas, que quando há uma mudança ao redor delas, resistem. 
E, assim, tenho que aprender que não preciso que o reconhecimento do merecimento venha dos outros, mas de mim. 

E aí talvez consiga subir os dois ou três degraus que desci e, nesse momento, ser capaz de sair da minha zona de conforto.

Acredito que um dia serei capaz. Hoje teria sido cedo demais. Mas só hoje que vos escrevo é que sei disso.

 

 

 

Dar sem receber

21
Out19

Ao longo da minha vida, por não ter uma família que se amasse em casa, procurei do lado de fora da porta a minha família. 

Mas acreditem que, no meu intímo, sempre quis que a minha família, a de sangue, fosse realmente UMA família.

Fui conhecendo pessoas, criando amizades, mas algo em mim me dizia que não chegava. Por outro lado, em relação às pessoas de quem eu mais gostava, com quem me sentia melhor e me identificava mais, os meus pais arranjavam sempre alguma coisa com que implicar, fazendo (na maior parte das vezes) com que me afastasse. 

E isso doía tanto. Não tinha em casa o amor que precisava sentir (que hoje sei que precisava sentir) e quando tinha fora, os de dentro tentavam afastá-los.

Isto para vos dizer que, ao longo da minha curta vida, tive (e tenho!) bons amigos. Alguns, mesmo com tudo o que aconteceu com os meus pais, mantiveram-se.

Outros foram-se perdendo pelo caminho. 

Não é fácil quando nos queremos sentir amados e não somos. Ou não sentimos. 

Não é fácil quando temos tanto para dar e cuidar e não o podemos fazer.

Por isso, hoje que tenho ao meu lado OS verdadeiros tenho uma necessidade tremenda de cuidar, de proteger, não de agradar, mas de dar. Quero, as pessoas de quem mais gosto, felizes. 

Só que também é difícil dar, pelo menos, como eu gosto de dar, sem que as outras pessoas se interroguem verdadeiramente sobre as minhas intenções.

Por outro lado, a vida tem-me posto à prova quanto às Amizades. E nem sempre é fácil lidar com o afastamento das pessoas a quem nos demos verdadeiramente. 

E isso deixa-me, muitas vezes, em baixo. 

Questiono-me se o problema sou eu. Se a amizade que aparentemente era verdadeira, deixou de o ser, do nada. 

Se era verdadeira unilateralmente, enquanto precisavam da minha ajuda e depois quando deixaram de precisar, a amizade deixou de ser útil.

E assim quando há uma discussão ou um desentendimento com alguém que me é realmente próximo, acabo por sentir que "é o fim do mundo". Que já não há volta a dar. Que aquela pessoa vai embora, que não quer saber mais, etc., que afinal eu não sou suficientemente "importante" para resolvermos as coisas e que tudo fique bem. 

Ou seja, numa discussão ou desentendimento que podia ser algo passageiro, transformo, por vezes, aquele momento num sofrimento de uma dimensão exagerada.

E eu, por muito que trabalhe nesse sentido, sei que o caminho ainda é longo.

E se antes não pedia ajuda, por vergonha, hoje sei que sem essa ajuda não conseguirei olhar para os desentendimentos/discussões como algo normal numa relação entre duas pessoas. 

Não consigo perceber (ainda) que apesar de se discutir, de nos desentendermos, que não é o fim do mundo. Que às vezes as opiniões são diferentes, que os estados de espírito mudam, que os planos alteram. Saber gerir expectativas é o meu próximo passo. 

Até lá, vou tendo altos e baixos.

Baixos em que tenho que assumir que me magoei pelas atitudes que tiveram comigo e que magoei outras pessoas de quem gosto pelas minhas atitudes. 

Baixos em que tenho que conseguir parar e reflectir onde posso melhorar. 

E um dia, quem sabe, esses baixos tornar-me-ão uma pessoa melhor, mais compreensiva, menos exigente. E, para além de tudo o resto, isto é mais uma coisa em que sei que tenho que melhorar.

Posso querer dar tudo, sem querer receber, mas se depois exijo, tenho atitudes imaturas ou incompreensivas, se não sei gerir expectativas, o meu dar é irrelevante. 

Shame on me

07
Out19

Hoje foi um dia particularmente difícil, mas chego à noite (agora que vos escrevo) com um sentimento de vergonha em relação à minha pessoa.

Como já vos disse, sou filha de pais divorciados, mas isso não é o problema. O problema foi que a forma diferente de cada membro da família ver as coisas que aconteceram na nossa vida sempre nos prejudicou e afastou. No meu caso, acho que já disse isso aqui, sempre fui a mais lúcida, ainda que tenha criado imensas barreiras e esteja hoje a tentar destrui-las e caminhar sem olhar para o passado.

O passado fará sempre parte de mim, não duvido disso. Só que quero ser superior a isso, quero ser eu a vencer o passado e não deixá-lo vencer-me a mim.

Por isso, hoje dizer-vos que sinto "shame on me" (parece mais fácil em inglês!).

Quando acordei de manhã, estava bem, serena, tranquila. Sentia-me em paz. 

Um evento entre mim e o meu irmão mudou tudo. E porquê? Porque eu permiti-me sentir uma dor que devia ter deixado pelo caminho da evolução. E agi impulsivamente.

E neste evento entre mim e o meu irmão, envolvi a minha mãe e também a ela lhe disse o que sentia, o que me ia na alma. Mas também aí falhei, porque apesar de eu estar num processo de evolução, quem está à minha volta não está e por isso não entende(u) a minha mensagem. E, mais uma vez, isso magoou-me.

Ou seja, um dia que tinha começado bem, ainda com poucas horas do dia, torna-se um dia doloroso. Em que volto a ter um sentimento de solidão. De um abandono inexplicável. Como se estivesse sozinha no mundo.

E o que fiz? Passo grande parte do meu dia a falar com o meu anjo e a tentar transmitir-lhe o que sinto. O meu anjo compreende. Ouve-me, chama-me à razão, dá-me colo. Hoje era só isso que eu queria: colo. 

Vou ver o mar, porque adoro o mar, porque quando bravo identifico-me com ele. A confusão de pensamentos que vai dentro de mim é demasiado. Choro e choro muito. 

Mas não desisto de tentar perceber como posso ficar melhor. Venho para casa, deito-me no sofá e tento dormir. Não consigo. Os pensamentos não param, o sentimento de dor não diminui. Coloco um filme a dar, não me foco nele. Então, decido focar-me em mim. 

E nesse focar em mim tento perceber o que realmente mexeu tanto comigo hoje. E ao descobrir o que mexeu comigo hoje, questiono-me como é que posso fazer para amanhã não me afectar como afectou.

E nesta reflexão apercebo-me que o que hoje fiz foi desrespeitar(-me) o caminho de evolução que venho fazendo, porque deixei que um simples telefonema em que a conversa foi desagradável me mandasse abaixo e estragasse um dia que tinha tudo para ser bom.

E sabem porquê? Porque mais que não queira, eu amo incondicionalmente a minha família, quer eles me tratem bem, ou mal. Quer-me respeitem ou não. Quer se interessem pelo que sinto ou não. E se eu estou num processo de evolução, eles não estão, por acharem que não precisam, por acharem que estão resolvidos em relação ao que passaram, por, enfim, eles lá sabem. E é difícil evoluir quando quem nos rodeia não está na mesma caminhada e quando confrontados sobre o que nos magoa, eles não querem ouvir, e ainda mais magoados ficamos.

E a vergonha que tenho de mim hoje é uma aprendizagem enorme. Hoje foi um dia mau, mas foi também um dia de aprendizagem. Amanhã é o dia de colocar o que aprendi hoje em prática. Amanhã e todos os outros dias. 

("O poder da coragem" by Brené Brown)

 

 

"Como fui capaz de os deixar viver naquela casa?"

05
Out19

A ausência do blog deveu-se a muitas causas, mas acima de tudo precisei de estar comigo, de perceber realmente o caminho que estou a seguir e limar arestas.

E quando pensamos que estamos no caminho certo, quando (finalmente) nos sentimos bem e tranquilos com nós próprios, surge algo que nos vem tentar. Pôr-nos à prova se realmente conseguimos manter-nos neste caminho ainda que apareçam pedras, buracos, barreiras...

No último post que vos escrevi falava do quanto as séries e os filmes nos influenciam e acabei a falar de um filme, quando, na verdade, vos queria falar de uma série: Big Little Lies.

Para quem não sabe, a série fala de três mães que têm aparentemente a família perfeita, mas um assassinato vem demonstrar que afinal...talvez não seja bem assim. 

Só que uma dessas mães é vítima de violência doméstica e o homem assassinado é o marido agressor. 

Durante as cenas de agressão, a mãe pensa sempre que os filhos pequenos nunca assistiram a nada, que pensam que ali só existir amor e que a morte do pai foi um (in)feliz acaso. Mas com a morte do marido, percebe que as coisas não são bem assim. Vê os filhos a serem violentos, a terem comportamentos incorrectos e descobre também que, inclusive, filmaram uma cena em que ela estava a ser agredida.

Conto-vos isto porque numa das últimas cenas em que aparece na temporada 2, esta mãe ao falar com uma amiga faz a seguinte pergunta: "como é que eu deixei que os meus filhos vivessem naquela casa?c".

E esta pergunta ficou-me na cabeça. Porque com a terapia eu também me comecei a questionar (não enquanto mãe, mas enquanto filha) como pude viver naquela casa, como é que alguém me deixou viver num ambiente agressivo. E também com a terapia percebi que não havia resposta para a minha pergunta. Ou pelo menos não a resposta que eu queria obter. 

Mas mesmo assim tentei. Um dia questionei a minha mãe sobre o que a fez manter o casamento durante tanto tempo, a resposta foi que achava que devíamos (os filhos) ter uma família, que ela não teve e que não queria que crescêssemos com o estigma de pais divorciados.

Naquele dia não lhe disse, aliás, até hoje eu não lhe disse, mas não acho que aquilo que me disse seja realmente a verdade. Aparentemente é um motivo altruísta, mas na verdade é extremamente egoísta, pois sempre pedi que se divorciassem. Sempre disse que não dava mais (e recentemente, fiquei a saber que o meu irmão também o pedia!).

Por isso, o motivo sempre foi egoísta. O amor obsessivo que sentia pelo marido, ainda que agressor, e, talvez, o facto de não ter tido uma família que a apoiasse, levaram-na a ficar. 

E ainda que eu saiba que a minha mãe sofreu (e ainda sofre), que tem marcas muito profundas do passado, não consigo entender como é que "foi possível deixar os filhos viverem naquela casa". 

E eu sou apenas a filha que quer compreender tudo o que passou. Sou apenas a filha que respeita o sofrimento da mãe, mas que também tem o seu próprio sofrimento e as suas marcas.

A filha que por mais perguntas que gostasse de fazer, sabe que não há respostas para o que se passou. E resigna-se. Apenas quer que o passado seja um exemplo do que não deverá ser feito no presente e no futuro.

Se dói? Há dias em que dói mais que outros. Há dias em que é tão fácil esquecer o que se passou e viver sem dor. Há momentos, frases, situações que mexem connosco de uma maneira que não esperávamos. Nós mudámos, eu mudei, mas as pessoas à minha volta não mudaram, não acompanharam a minha evolução e isso muda tudo. A minha forma hoje de ver as coisas é bastante diferente de há uns seis meses atrás. A minha forma de estar na vida hoje é serena, tranquila, sem raiva, sem sentimentos negativos.

Aprendi (ou decidi) que na minha vida só quero paz, amor e respeito.

Se não tiver isso, se não sentir isso, prefiro ficar sozinha, comigo própria, porque consigo.

Hoje sei que consigo.