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É possível viver para além disto!

É possível viver para além disto!

Ser prisioneiro...

29
Ago19

Há uns dias estava à espera que me atendessem num sítio qualquer e peguei numa revista para passar o tempo e sem esperar ao ler uma entrevista deparei-me com a seguinte frase:

"(...) o meu pai e a minha mãe abriram guerra entre eles e só fizeram três prisioneiros - os filhos." (autor desconhecido)

Esta frase define bem a minha vida. Durante o tempo em que os meus pais viveram juntos ou depois quando se separaram. E isso é fácil explicar, não sei se fácil de imaginar.

Os meus pais são duas pessoas bem-sucedidas profissionalmente. Começaram do zero. Sem ajuda de ninguém e cada um construiu a sua própria empresa. Ambos tinham cerca de 20 anos quando se tornaram "patrões deles próprios". 

Isto demonstra a forte personalidade dos meus pais. Mas também revela que desde os 20 anos os meus pais viveram para o trabalho. Era isso que lhes dava adrenalina. E queriam mais e mais.

Só que esqueciam-se que o querer mais e mais no trabalho, levava a que alguma coisa ficasse para trás. E neste caso, era a família que ficava esquecida. 

O trabalho era presença constante à mesa, os telemóveis nunca eram desligados nas férias e as chamadas não paravam, os fins-de-semana de trabalho eram regulares, logo o convívio familiar era qualquer coisa de muito escasso.

Os meus pais viviam para o trabalho. E, apesar de terem profissões diferentes, ainda que nunca o tivessem admitido em voz alta, era notório que havia competição entre eles. Quem conseguia chegar mais longe, quem tinha mais sucesso, quem ganhava mais.

E essa competição prejudicava a vida familiar, porque era como se houvesse um elefante em casa, que todos viam, mas ninguém falava. E ninguém queria assumir que havia problemas que tinham de ser resolvidos. E afogavam-se no trabalho. Viviam para o trabalho, esquecendo-se muitas vezes que havia duas crianças em casa à espera.

E essas duas crianças viviam ansiosas por momentos de diversão, de passeios, de atenção, de brincadeiras, no fundo, de terem os pais focados nelas. 

Mas isso raramente acontecia.

Por exemplo, uma das coisas que acontecia muito era ao domingo prepararmo-nos para irmos dar um passeio, entrarmos no carro, começarmos a viagem e alguns minutos depois os meus pais começavam a discutir e não havia passeio para ninguém. Voltávamos para casa, a discussão lá continuava e os filhos assistiam e pronto, cada um para seu lado e domingo em família estragado.

E quem é que saía prejudicado? Os filhos. Sempre. 

Em quem é que pensavam os pais? Neles próprios. Não nos filhos.

Os filhos não eram protegidos naqueles confrontos. Assistiam desprotegidos a insultos, gritos, murros (na mesa, ou na parede, ou onde quer que fosse). Ficavam com as expectativas de um domingo "bem passado" frustradas, porque o foco não era o bem-estar deles. 

E este exemplo de domingo equivale para as férias, para os dias de semana, para...tudo. As discussões eram uma constante. Estar em casa era um terror. 

Ora, os meus pais refugiavam-se no trabalho para esquecer ou ignorar os problemas da sua vida pessoal. 

E as crianças? Como lidam com isso? 

Na verdade, nós quando nascemos não vimos preparados para encontrar um ambiente agressivo e opressivo. E também não temos trabalho para nos refugiarmos. Até irmos para a escola só conhecemos um ambiente: o de casa. 

Enquanto crianças nada podemos fazer. 

Depois com o tempo, podemo-nos focar no estudo, em actividades extra-curriculares, em procurar fora de casa um ambiente mais saudável. E passar o menos tempo possível em casa.

Isto tornou-se a minha solução. Sair de casa cedo e chegar tarde. Questionar como estava o humor de quem provocava as discussões antes de entrar em casa. Querer estar sempre ocupada para também eu não ter que lidar com o elefante que vivia lá em casa.

Mas isto não é vida. A escolha de um casamento entre duas pessoas que não se davam bem não é dos filhos. Não foi minha. 

A escolha de manter um casamento infeliz não é dos filhos. É de dois adultos que foram egoístas e esqueceram-se que trouxeram ao mundo dois seres humanos que mereciam mais. Muito mais. 

E por isso, sim. A guerra era dos meus pais, a prisioneira era eu. E talvez ainda seja. E talvez vá ser sempre.

O passado persegue-nos, pode aprender-se a viver com ele, a saber lidar com ele. Só que ele está enraizado em nós. É parte de nós. É quem nós somos.

Logo, não seremos prisioneiros para sempre de uma guerra que não é, nem nunca foi, nossa?

 

Perdoar a vida...será possível?

28
Ago19

Retomo hoje um bocadinho mais sobre a minha história de vida, ou melhor, sobre o porquê de vos ter dito que o problema não é ser filha de pais divorciados, é tudo o que aconteceu na minha vida após o casamento.

Bom, o casamento dos meus pais não me trouxe felicidade, pelo contrário, preciso de parar e concentrar-me muito para conseguir dizer-vos um momento em que fomos efectivamente todos felizes. Ou nem assim. Acho mesmo que nunca fomos verdadeiramente felizes juntos. 

Momentos de felicidade houve claro. Momentos de diversão também, só que até um momento de diversão era possível ser transformado num momento de ataques verbais, de discussões, de lágrimas. E é exactamente isso que fica quando olhamos para o nosso passado: os momentos maus.

Se houve momentos de felicidade e diversão, ainda que escassos, penso que nunca terá havido momentos de amor incondicional entre a família (durante o casamento). Não podíamos dizer o quanto gostávamos uns dos outros, não nos podíamos abraçar, pedir colo, ou o que quer que seja "normal" numa família. 

Por isso, o divórcio no meu entender seria sempre a melhor opção. O problema é que na altura pouco ou nada sabia da vida ou do amor (ou deverei dizer do ódio?) e nunca pensei que após o fim do casamento as coisas se tornassem ainda piores. 

Acredito que seja difícil perceber isto, até porque só ao fim de muitos anos eu própria o percebi, os meus pais não se separaram por não gostarem um do outro, por traições, etc., os meus pais divorciaram-se por muitos outros motivos, principalmente, por agressões físicas na família. E este é o problema. O maior deles todos.

O gostar deles (ou de um deles) tornou-se numa obsessão. Num sentimento de posse. E de um jogo de poder (ou braço de ferro) que envolveu dinheiro, filhos e tudo o que estivesse no caminho para atingir o fim.

Eu fui um meio para atingir um fim. Hoje sei disso. Mas hoje também sei que, por falta de maturidade, de quem me alertasse, deixei-me ser esse meio.

E prejudiquei-me. Magoei-me. Criei em mim danos que não sei se algum dia serão reparáveis. 

Fui usada. Ao quererem tanto atingir-se um ao outro esqueceram-se que eu era filha. A filha deles. E usaram-me no jogo deles. Não me protegeram. E eu não pedi protecção.

Pelo contrário, achei que era eu que tinha que proteger. Que era eu a salvadora ou a justiceira. E acabei por ser eu a ferida nestes ataques todos. 

Acabei por ser eu a levar o "game over". A tacada final. E caí. 

Só que não sabia o quão fundo tinha ido. Desconhecia de todo o buraco que tinha estado a escavar dentro de mim para me esconder. Desconhecia (e talvez ainda desconheça) os danos que a vida que os meus pais decidiram ter durante e após o casamento tiveram em mim. 

E quando penso nisso, pergunto-me se serei capaz de perdoar. De os perdoar. De me perdoar. 

Pergunto-me se serei capaz de olhar para eles e perceber o porquê de tudo isto.

Pergunto-me se realmente conseguirei algum dia destruir as barreiras que fui construindo dentro de mim. Guardar as máscaras que fui criando para me proteger. 

Pergunto-me se algum dia conseguirei olhar para o futuro sem colocar os medos ou os "se's" do passado. 

Acima de tudo, se conseguirei perdoar a vida. 

Mas sei que, mesmo que o perdão não chegue, eu consigo viver para além disto. Basta querer. Basta lutar por isso. E nunca tive medo de ir à luta. Por isso vou, porque quero viver para além disto. 

Que nos dizem os sonhos?

25
Ago19

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Sonho muito.  Sempre sonhei. Desde muito nova que me lembro dos sonhos quando acordo. E passo o dia inteiro com eles na cabeça. 

Ultimamente tem sido pior. Sonho, acordo e passo dias a remoer no sonho. Não sei a explicação, só sei que os últimos sonhos têm sempre algo que ver com a forma como olho para a minha vida.

Esta manhã quando acordei sabia que o sonho falava da minha protecção para com a minha família: Mãe e Irmão.

O querer que eles não tivessem sofrido o que sofreram, não tivessem sido agredidos como foram, não tivessem sido infelizes durante tanto tempo como eu sei que foram. 

E esta minha veia protectora para com eles, mais tarde maioritariamente para com a minha Mãe, fez com que me esquecesse que também eu era (e fui e talvez ainda seja) agredida. E que também eu devia ter tido protecção.

No meu sonho eu alertava o meu irmão parele não deixar se acobardar, para se defender ou pedir ajuda quando lhe fizessem mal. 

Alertava a minha Mãe para se afastar de quem a devia amar e não o fazendo, lhe provocava sofrimento e lágrimas e noites de solidão.

Dizia-lhe que tinha que ser feliz.

Mas tal como na vida real, também no sonho eu estava desprotegida. Sentia-me a arriscar a vida pelos outros, por quem amo incondicionalmente, sem sentir a protecção de quem precisava de sentir. E senti-me, como tantas vezes me sentia, sozinha no mundo. E acordei.

E se ao acordar eu me esquecesse do que tinha sonhado durante a noite, se parecesse apenas isso mesmo, um sonho, tudo estava bem.

O problema é que este sonho, como tantos outros, são bem reais. O meu inconsciente começa a despertar-me para algo que durante anos eu não quis ver (ou não sabia ver): eu caminhei sozinha numa luta pela sobrevivência, querendo proteger os outros e esquecendo de me proteger a mim própria. 

Hoje sei que durante anos sobrevivi, que não vivi, mas sobrevivi. 

Também sei que ignorei tal facto grande parte da minha vida. Ignorei a dor que sentia, o ambiente em que vivia, criando barreiras para as adversidades da vida. Que me preocupei mais em ajudar os outros do que em ajudar-me a mim própria.

E que só há uns meses tive a noção de que passei por muito, aguentei muito, que sofri muito. E ao concluir isso senti-me mais uma vez sozinha (no mundo).

Só que, desta vez, olhei para o lado e vi que tinha quem caminhasse comigo. E sosseguei, por uns momentos sosseguei.

Porque esta dor, a minha dor de tudo o que passei e que até há uns meses passava, é uma dor solitária. Impossível de se explicar, difícil de suportar. 

E por isso, nunca quis lidar com ela. Mas só agora tenho essa noção, porque tapava a minha dor, protegendo os outros, preocupando-me com os outros, focando-me em outros aspectos da minha vida que não eu mesma. Até que atingi o limite.

Até que decidi que falar da minha dor,  me iria ajudar aprender a viver. Finalmente a viver. 

Mas é um processo. Lidar com o que sofremos, perceber o porquê de termos passado aquilo, o porquê de a vida nos colocar tantos desafios, demora.

E até conseguirmos isso, conseguirmos viver, continuamos a sobreviver. Ou melhor, acho que serei sempre sobrevivente, isso nunca sairá de mim. Apenas serei uma sobrevivente que aos poucos foi aprendendo a viver, a saber viver, a saborear viver. E isso eu sei que estou no caminho certo. 

Demora. Há muito que entender, mas a meta está já ali. E aos poucos vou sentindo-a cada vez mais perto. Deixando para trás os medos, os receios, as máscaras. E quando lá chegar, saberei viver, sendo eu mesma, pois é possível viver para além disto. 

 

Gostar só porque é de sangue?

21
Ago19

Quando nascemos, crescemos numa família que, no fundo, desconhecemos.

É certo que na fase da gestação vamos tendo contacto com quem nos irá rodear quando nascermos, mas o sentir amor ou uma ligação com a nossa família de sangue leva tempo, ainda que quando na barriga da mãe possamos sentir ligações mais fortes, menos fortes, mais positivas ou menos positivas.

Mas será que nascemos amar a nossa família de sangue? Será que nascemos a gostar mais de um membro da família, do que outro? Com a percepção de que alguém nos faz melhor que outro familiar?

Será que já nascemos com esta percepção? 

Na verdade, o que um recém-nascido mais precisa, para além dos cuidados essenciais de sobrevivência, é de amor, de afecto, de carinho, de atenção. Isto tudo é, sem dúvida, aquilo que tem que estar na base do crescimento de um bebé. 

E esta base deve ser construída com o amor de um Pai e de uma Mãe e depois, claro, da restante família. 

Nos primeiros anos de vida o que a criança mais precisa é de Amor. Nada mais. 

Mas...e se isso não existir? Se esse amor, esse afecto não existir? Ou não existir na medida necessária para a criança?

Eu não sei responder a isto. 

Durante muitos anos bloqueei qualquer sentimento que pudesse vir a sentir. E hoje sei que bloqueei os sentimentos porque era a única forma de sobreviver. Era a única forma de aceitar (e talvez ultrapassar) os obstáculos que a vida me ia colocando.

Não sei se fui amada na medida certa até antes de nascer. Não sei se o fui quando nasci.

Não sei se recebi o colo que devia ter recebido.

Não sei...

Aquilo que sei é que desde muito cedo não me dei bem com o meu Pai. Em criança (até aos meus 3/4 anos) sei que esperava que ele chegasse do trabalho para me deitar, que desejava andar às suas cavalitas, que queria brincar com ele...mas não havia tempo. O trabalho era um problema, o mau relacionamento com a minha Mãe era outro problema.

Cresci, sem saber, a afastar-me do meu Pai.

E fui crescendo, aprendendo, desenvolvendo-me como pessoa a afastar-me (ainda que insconcientemente) do meu Pai.

E também sem saber crescia em mim um sentimento contraditório: o de querer ter um Pai. 

E esses dois sentimentos andaram durante anos a impedir-me de seguir em frente, porque não é fácil. Porque um Pai é, juntamente com a nossa Mãe, a pessoa que nos dá vida, sem ele não estaríamos aqui. 

Mas também deve ser a pessoa que nos cuida, nos ajuda, nos trata bem, nos ama. 

E portanto, como disse, vivi muito, muito tempo com um sentimento contraditório entre querer um pai e querer afastar-me do meu pai. 

Em criança/adolescente não havia muito que pudesse fazer. Partilhávamos a mesma casa, a mesma "vida" e respeitá-lo (ainda que muitas vezes o confrontasse) era a única coisa que podia fazer.

Só que o tempo passa e fui crescendo, percebendo (sempre com um sentimento agridoce) que apesar de ser meu Pai, eu não tinha que nutrir por ele aquilo que todos me diziam que devia sentir.

Que não tinha que olhar para ele com admiração de filha, porque não havia motivos para isso.

E, sem me aperceber, fui-me afastando. No entanto, também sem me aperceber quis-me ir aproximando, porque o sentimento de querer um pai presente na minha vida mantinha-se em mim.

Um dia o meu pai disse que tinha que o respeitar (leia-se, dar-me com ele) até atingir a maioridade. Desde esse dia que contava os dias para fazer os 18 anos. Até que os fiz e disse que não queria dar-me mais com ele. Alguém pediu-me que não o fizesse. Que não destabilizasse mais a família do que ela já estava. E eu cedi.

Aguentei um ano de mentiras, desculpas, histórias mal contadas e, após isso, decidi que não dava mais e cortei relações.

O problema é que o sentimento de "quero ter um pai" mantinha-se. E outro problema é que, em vez de enfrentar esta questão,  bloqueava esse sentimento e seguia em frente.

Houve afastamentos, aproximações, novos afastamentos, novas aproximações, até que cheguei a um ponto (e aqui entra a minha evolução pessoal e emocional) que percebi que não podia tentar gostar, respeitar, ter a presença daquela pessoa na minha vida, apenas por ser meu Pai.

Que não podia manter uma pessoa na minha vida apenas por ser meu Pai.

E quando percebi isso, percebi também que tinha que percorrer outro caminho de evolução pessoal e emocional, pois havia um sentimento de "querer ter um pai" muito presente. E foi esse sentimento que fez com que muitas vezes fechasse os olhos às atitudes e posturas negativas daquela pessoa que é o meu Pai.

É um trabalho longo. Que muitas vezes me levou a não querer continuar. Em que muitas noites me deitei a pensar se estava a fazer o correcto.

Mas depois vem a mágoa, a dor pelo que se passou, o sofrimento todo que se viveu e percebemos que apenas precisamos na nossa vida quem nos quer bem, apenas o nosso bem. Que não nos usa como meio para atingir um fim, ou que não nos olha exactamente como esse fim a atingir.

E isso muda tudo. Percebemos que somos muito mais do que aquela pessoa que ajudou a dar-nos vida. Somos muito melhores se não entrarmos em guerras. Somos muito melhores se deixarmos ir.

E eu estou nesse caminho de deixar ir. E nesse caminho vai embora a tristeza, a mágoa, a raiva, principalmente, a raiva. E por esse caminho encontramos a paz, a calma, o amor de quem está à nossa volta e nos quer bem.

Nem sempre a família de sangue nos quer bem. Nem sempre quem nos dá vida nos quer bem. Nem sempre nascemos ou crescemos a sentir algo por alguém da nossa família de sangue. E não podemos gostar (ou fingir) apenas porque é de sangue. 

Mas ganhar a coragem de assumir isso, de escrever isso, é difícil, mas liberta-nos. E dá-nos uma sensação de paz tremenda.

Estou grata ao meu Pai pela vida que me deu, não estou grata pela vida que ele fez com que eu tivesse. E hoje sei disso. E sigo o meu caminho, porque é possível viver para além disto!

O processo...

20
Ago19

O caminho da evolução pessoal e emocional que hoje percorro, nem sempre existiu. 
Na verdade, durante anos achei que o melhor seria não falar sobre o que se passava em casa, porque partia sempre da ideia de que nada resolveria falar, pois aquelas pessoas nada podiam fazer.

Na minha cabeça de criança aquilo que eu pensava era: "para quê chegar à escola e contar aos meus amigos que os meus pais discutiram e que houve choros e gritos e saídas repentinas de casa, se eles nada podem fazer? Não vão lá a casa dizer que isso não se faz. Então, se não vão, não vale a pena falar.". E calava-me. 

Durante anos também eu aparentei que tinha uma família "normal". Que tinha uma vida feliz em casa e que todos nos dávamos bem. Mas não era verdade. E no dia em que o divórcio efetivamente acontece e eu comento com uma das minhas pessoas que "os meus pais divorciaram-se hoje". A resposta foi imediata: "Como? Divórcio? Mas eles sempre se deram bem!".

E o espanto era constante.

Era-me irrelevante o que as pessoas achavam, ou o que pensavam. Mas hoje sei que não foi irrelevante na minha vida o meu silêncio. O acumular sozinha de tantos anos de convivência num ambiente opressivo, agressivo, depressivo. Isso não foi irrelevante. 

O achar que o não falar era a melhor opção, mais por achar que em nada me ajudava, foi uma decisão que hoje percebo que não me ajudou em nada. Apenas fez com que criasse barreiras, bloqueasse sentimentos, pessoas, vivências. 

Apenas fez com que me focasse em uns aspectos da minha vida, descurando outros, provavelmente mais importantes.

Portanto, o primeiro passo para a minha evolução pessoal e emocional foi mudar exactamente a minha postura perante esta situação: começar a desabafar sobre o que me atormentava, sobre o mau ambiente que vivi em casa, sobre como isso me fazia sentir, etc.

Quando mudei a minha postura perante a minha forma de encarar o que me magoava, saiu um peso de cima de mim. Não as máscaras, não o receio de ser mal interpretada, não o medo de que não entendessem o que tinha passado ou o que ainda passava. Isso demorou a passar. Demora a passar.

Destruir barreiras, desbloquear sentimentos, aprender a falar sobre o que sentimos, isso demora. É um processo demorado, longo, muito longo. 

E neste sentido, também na sequência do post anterior, vivi muitos anos a tentar interpretar a família onde tinha nascido, a tentar perceber porque é que ali tinha "calhado", sem chegar a nenhuma conclusão.

Mas hoje, também no caminho da minha evolução, estava a ler um livro e deparei-me com este parágrafo:

"Na verdade, o que têm de fazer é dedicar menos tempo a pensar no que eles não lhes deram, e passar mais tempo a descobrir a tribo à qual pertencem. Uma pessoa pode não pertencer à família original. Geneticamente, poderá pertencer àquela família mas, temperamentalmente, pertencerá a outro grupo de pessoas. (...)" - retirado de Estés, C., 2016, Mulheres Que Correm com os Lobos, 4.ª Ed., Marcador

Talvez agora tenha a minha resposta...ou parte dela. Contudo, hoje sei que cabe apenas a mim procurar as respostas, sem medos. E é o que tenho feito desde que percebi que merecia mais.

Mais calma, mais paz, mais amor. E isso hoje é tudo. 

Será que não escolhemos?

19
Ago19

Antes de começar, quero só explicar-vos que a minha história não se conta num post, nem em dois, na verdade, nem sei em quantos se contará. Mas também não sei (porque o projecto ainda é muito novo para mim) se vos contarei a história de uma só vez ou se vou intercalando com outras histórias, testemunhas, outros temas, etc.

No post anterior contei-vos que sou filha de pais divorciados, mas não é esse o ponto fulcral de toda a origem deste blogue.

Ser filha de pais divorciados não me incomoda, aliás, o que me incomoda é ter sido filha de pais divorciados tarde demais, aos meus 17 anos. 

E acredito que esta afirmação choque quem me leia. Acredito que não seja normal ouvir alguém (hoje adulta) dizer que preferia que os pais se tivessem divorciado muito cedo. 

Na verdade, no meu caso acho que os meus pais nem sequer se deviam ter casado, mesmo tendo a noção que se os meus pais não se tivessem casado hoje eu não estaria aqui.

Mas sim, desde miúda que pedia que os meus pais se separassem. Óbvio que não foi desde que nasci, ou desde que comecei a falar. Talvez pelos meus seis/sete anos de idade tenha começado a perceber que os meus pais não se davam bem, que as discussões eram constantes, que os choros eram mais do que os sorrisos, que o ambiente era mais pesado em casa do que fora dela.

O problema é que quando somos pequenos, só conhecemos uma só realidade: a da nossa casa. E nessa altura nós não sabemos o que é certo ou errado, não imaginamos sequer que existe todo um mundo diferente para lá daquelas quatro paredes onde vivemos.

E foi assim que durante anos me desenvolvi, num ambiente opressivo, agressivo, depressivo, sem ter ideia de que havia algo melhor para lá daquilo, que era possível haver amor e afectos, e não apenas gritos e/ou choros.

Eu era amada, eu sei que era. Ou melhor, sei que sou. Nunca deixei de sentir o amor por parte da minha Mãe, nunca. Simplesmente durante anos não o pudémos demonstrar. 

Até porque o ambiente agressivo não era comigo. Mas era com quem eu nasci a amar. E sem eu saber sentia que aquilo era para comigo também. E quem o fazia, quem gerava aquele ambiente negativo, devia ser alguém que eu também devia ter nascido a amar. 

E por isso, durante anos a pergunta que me fazia era se será que nós não escolhemos a família em que nascemos, os pais que nos "calham" e os irmãos que nos "saem".

Esta é exactamente a pergunta que vos deixo: será que não escolhemos?

 

Independentemente de tudo...

...é possível viver para além disto! 

E porquê o blogue?...

17
Ago19

Se no primeiro post falei do que queria transmitir com este projecto, agora chegou a hora de explicar o porquê dele surgir e só o posso fazer se vos der a conhecer um bocadinho de quem eu sou.

Dar-vos a conhecer quem eu sou não é uma tarefa fácil. Falar deste projecto e do porquê dele também não é uma tarefa fácil. Mas...tem que ser.

Posso dizer-vos que nasci no centro do país, atingi recentemente as três décadas de vida e há 30 anos nasci numa família "aparentemente normal".

A expressão "aparentemente normal" foi usada, ao invés de família disfuncional ou imperfeita, porque durante anos os meus pais tentaram dar a aparência de que éramos uma família "como as outras" (seja lá isso o que isso for!), só que à medida que fui crescendo descobri que de "normal" nada tínhamos. Porém, convém começar pelo início.

Um casal da classe média com dois filhos e tudo para terem uma vida feliz. Só que nada disso aconteceu. 

Por incompatibilidade de feitios, por exigências pessoais, por frustrações pessoais, por qualquer coisa que, na verdade, nunca se saberá os meus pais nunca se deram bem.

Devem questionar-se como é que eu sei que "nunca se deram bem", porque como é óbvio quando somos pequenos não podemos ter essa percepção. Ou teremos? 

Da minha parte as minhas memórias são desde muito nova. Não nego, no entanto, que hoje a noção que tenho vem também das conversas que, com a idade, fui tendo com a minha Mãe. 

Também se podem questionar o porquê dos meus pais terem decidido constituir uma família se "nunca se deram bem" e a isso respondo-vos com um: não faço ideia. Ou talvez comece a fazer, mas é um tema para mais tarde me (nos) debruçar(-mos).

E por alguma coisa que eu ainda hoje desconheço, os meus pais decidiram manter um casamento e, supostamente, uma família "aparentemente normal" durante quase 20 anos. 

E se podíamos achar que um divórcio resolve tudo, o problema é quando o divórcio traz ainda mais complicações do que o próprio casamento. 

E, resumidamente, é isto:

Sou filha de pais divorciados (desde os meus 17 anos), sendo que em miúda sempre pedi aos pais que se divorciassem porque o ambiente em casa de bom nada tinha. Que ao nascer no ambiente em que nasci e depois de muitos anos sem falar do que se passava, decidi que chegou a hora de partilhar os traumas, os medos, os obstáculos, no fundo, as adversidades da vida e como vou conseguindo ultrapassá-las. 

Se é fácil? Não. Se demora? Muito. 

Mas hoje posso dizer-vos com toda a certeza que "é possível viver para além disto!".

É possível viver para além disto!

16
Ago19

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Começo o primeiro post deste novo blogue cujo título do template é "folha em branco", exactamente com o nome que decidi dar a este novo projeto.

Curiosamente o "É possível viver para além disto!" podia também ser uma "folha em branco", como quando iniciamos um novo ano escolar e em inícios de Setembro compramos cadernos novos e temos nove meses para as preencher de letras, números, rabiscos...

Aqui, tal como quando iniciamos a escola, temos uma "folha em branco" para escrever sobre o que nos apetecer. Mas o que pretendo com este projecto é transmitir às pessoas que, independentemente da fase da vida que atravessam, de um período mais difícil em que se encontram ou se encontraram, de traumas que ficam e teimam em partir, é possível viver para além de tudo isso. 

E com isto é preciso termos bastante presente em nós (e todos temos acreditem!) um conceito muito importante: força (ou chikara).

Força de vontade para evoluir;

Força de vontade para ultrapassar qualquer obstáculo que nos apareça à frente;

Força para seguir em frente;

Força...

...para viver para além "disto"!

E lembrem-se sempre, podemos cair sete vezes, mas levantamo-nos oito!