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É possível viver para além disto!

É possível viver para além disto!

Sair da zona de conforto

26
Out19

Estes dias tenho estado de férias. Quando esta semana se proporcionou, pensei que um "retiro" me iria fazer bem. Estava num período da minha vida em que a terapia estava a "abrandar", no sentido de não ir semanalmente ou quinzenalmente, mas sim mensalmente e pensei que era a altura ideal para sair da minha zona de conforto.

Na semana em que começo a planear esse meu "retiro", há um episódio na minha vida que me faz descer dois ou três degraus na escada que andava a subir e receei se era a altura ideal para sair da minha zona de conforto.

Não sabendo como agir, pedi ajuda à minha terapeuta que também ficou receosa. E nesse momento percebi que aquela queda de dois ou três degraus tinha-me levado com medo do que o incerto ou o retiro me pudessem fazer. 
E não saí da minha zona de conforto. Não arrisquei a sair do país sozinha, porque ainda não estava preparada para o que aquela experiência me podia trazer. 

Mexeu muito comigo o ter recuado nessa minha ideia de sair da minha zona de conforto, pois em determinado momento achei que estava capaz.

Eu não sei se era isso que precisava de mostrar a mim própria: que era capaz.

Hoje, no dia em que terminam as minhas férias (sem) retiro, penso que se tivesse ido para fora me teria destabilizado. Porque eu tenho um ponto de equilíbrio, que me faz andar bem, calma e serena, que ainda tem muitas arestas para limar e questiono-me se esse ponto não teria desaparecido se eu tivesse arriscado.

E isto tem uma explicação:

Eu estou num processo de auto-conhecwcimento e desenvolvimento pessoal.

Durante anos neguei que o que passei em pequena me influenciava. Que o facto de os meus pais não demonstrarem que se preocupavam (porque acredito que, principalmente a minha mãe, se preocupava/preocupa), ou se eu me estava a divertir ou perguntarem simplesmente "como estás" mexia muito comigo. 
O ter negado isso durante todo esse tempo tornou-me frágil ou com necessidade de que reconheçam que mereço (sempre) mais.

Agora consigo assumir isso. Consigo assumir que preciso que na chamada diária da minha Mãe me seja perguntado "como estou". Ou se estou de viagem me seja perguntado "isso é giro?" ou "estás a gostar?". Coisas simples, demasiado simples, mas que eu não tenho e, na verdade, nunca tive.

Antes, incomodava-me mas eu não o dizia. Hoje já expresso que isso me incomoda, ainda que sem efeitos práticos. Porque a resposta, ainda que silenciosa é "se nunca o fiz, porque raio vou começar a fazer agora?".

Por isso, após esta semana de férias retiro dentro do país, a percorrer Portugal e a conhecer coisas lindíssimas, sei que é nisso que tenho que trabalhar. 
As pessoas vivem tão no mundo delas, que quando há uma mudança ao redor delas, resistem. 
E, assim, tenho que aprender que não preciso que o reconhecimento do merecimento venha dos outros, mas de mim. 

E aí talvez consiga subir os dois ou três degraus que desci e, nesse momento, ser capaz de sair da minha zona de conforto.

Acredito que um dia serei capaz. Hoje teria sido cedo demais. Mas só hoje que vos escrevo é que sei disso.

 

 

 

Dar sem receber

21
Out19

Ao longo da minha vida, por não ter uma família que se amasse em casa, procurei do lado de fora da porta a minha família. 

Mas acreditem que, no meu intímo, sempre quis que a minha família, a de sangue, fosse realmente UMA família.

Fui conhecendo pessoas, criando amizades, mas algo em mim me dizia que não chegava. Por outro lado, em relação às pessoas de quem eu mais gostava, com quem me sentia melhor e me identificava mais, os meus pais arranjavam sempre alguma coisa com que implicar, fazendo (na maior parte das vezes) com que me afastasse. 

E isso doía tanto. Não tinha em casa o amor que precisava sentir (que hoje sei que precisava sentir) e quando tinha fora, os de dentro tentavam afastá-los.

Isto para vos dizer que, ao longo da minha curta vida, tive (e tenho!) bons amigos. Alguns, mesmo com tudo o que aconteceu com os meus pais, mantiveram-se.

Outros foram-se perdendo pelo caminho. 

Não é fácil quando nos queremos sentir amados e não somos. Ou não sentimos. 

Não é fácil quando temos tanto para dar e cuidar e não o podemos fazer.

Por isso, hoje que tenho ao meu lado OS verdadeiros tenho uma necessidade tremenda de cuidar, de proteger, não de agradar, mas de dar. Quero, as pessoas de quem mais gosto, felizes. 

Só que também é difícil dar, pelo menos, como eu gosto de dar, sem que as outras pessoas se interroguem verdadeiramente sobre as minhas intenções.

Por outro lado, a vida tem-me posto à prova quanto às Amizades. E nem sempre é fácil lidar com o afastamento das pessoas a quem nos demos verdadeiramente. 

E isso deixa-me, muitas vezes, em baixo. 

Questiono-me se o problema sou eu. Se a amizade que aparentemente era verdadeira, deixou de o ser, do nada. 

Se era verdadeira unilateralmente, enquanto precisavam da minha ajuda e depois quando deixaram de precisar, a amizade deixou de ser útil.

E assim quando há uma discussão ou um desentendimento com alguém que me é realmente próximo, acabo por sentir que "é o fim do mundo". Que já não há volta a dar. Que aquela pessoa vai embora, que não quer saber mais, etc., que afinal eu não sou suficientemente "importante" para resolvermos as coisas e que tudo fique bem. 

Ou seja, numa discussão ou desentendimento que podia ser algo passageiro, transformo, por vezes, aquele momento num sofrimento de uma dimensão exagerada.

E eu, por muito que trabalhe nesse sentido, sei que o caminho ainda é longo.

E se antes não pedia ajuda, por vergonha, hoje sei que sem essa ajuda não conseguirei olhar para os desentendimentos/discussões como algo normal numa relação entre duas pessoas. 

Não consigo perceber (ainda) que apesar de se discutir, de nos desentendermos, que não é o fim do mundo. Que às vezes as opiniões são diferentes, que os estados de espírito mudam, que os planos alteram. Saber gerir expectativas é o meu próximo passo. 

Até lá, vou tendo altos e baixos.

Baixos em que tenho que assumir que me magoei pelas atitudes que tiveram comigo e que magoei outras pessoas de quem gosto pelas minhas atitudes. 

Baixos em que tenho que conseguir parar e reflectir onde posso melhorar. 

E um dia, quem sabe, esses baixos tornar-me-ão uma pessoa melhor, mais compreensiva, menos exigente. E, para além de tudo o resto, isto é mais uma coisa em que sei que tenho que melhorar.

Posso querer dar tudo, sem querer receber, mas se depois exijo, tenho atitudes imaturas ou incompreensivas, se não sei gerir expectativas, o meu dar é irrelevante. 

Shame on me

07
Out19

Hoje foi um dia particularmente difícil, mas chego à noite (agora que vos escrevo) com um sentimento de vergonha em relação à minha pessoa.

Como já vos disse, sou filha de pais divorciados, mas isso não é o problema. O problema foi que a forma diferente de cada membro da família ver as coisas que aconteceram na nossa vida sempre nos prejudicou e afastou. No meu caso, acho que já disse isso aqui, sempre fui a mais lúcida, ainda que tenha criado imensas barreiras e esteja hoje a tentar destrui-las e caminhar sem olhar para o passado.

O passado fará sempre parte de mim, não duvido disso. Só que quero ser superior a isso, quero ser eu a vencer o passado e não deixá-lo vencer-me a mim.

Por isso, hoje dizer-vos que sinto "shame on me" (parece mais fácil em inglês!).

Quando acordei de manhã, estava bem, serena, tranquila. Sentia-me em paz. 

Um evento entre mim e o meu irmão mudou tudo. E porquê? Porque eu permiti-me sentir uma dor que devia ter deixado pelo caminho da evolução. E agi impulsivamente.

E neste evento entre mim e o meu irmão, envolvi a minha mãe e também a ela lhe disse o que sentia, o que me ia na alma. Mas também aí falhei, porque apesar de eu estar num processo de evolução, quem está à minha volta não está e por isso não entende(u) a minha mensagem. E, mais uma vez, isso magoou-me.

Ou seja, um dia que tinha começado bem, ainda com poucas horas do dia, torna-se um dia doloroso. Em que volto a ter um sentimento de solidão. De um abandono inexplicável. Como se estivesse sozinha no mundo.

E o que fiz? Passo grande parte do meu dia a falar com o meu anjo e a tentar transmitir-lhe o que sinto. O meu anjo compreende. Ouve-me, chama-me à razão, dá-me colo. Hoje era só isso que eu queria: colo. 

Vou ver o mar, porque adoro o mar, porque quando bravo identifico-me com ele. A confusão de pensamentos que vai dentro de mim é demasiado. Choro e choro muito. 

Mas não desisto de tentar perceber como posso ficar melhor. Venho para casa, deito-me no sofá e tento dormir. Não consigo. Os pensamentos não param, o sentimento de dor não diminui. Coloco um filme a dar, não me foco nele. Então, decido focar-me em mim. 

E nesse focar em mim tento perceber o que realmente mexeu tanto comigo hoje. E ao descobrir o que mexeu comigo hoje, questiono-me como é que posso fazer para amanhã não me afectar como afectou.

E nesta reflexão apercebo-me que o que hoje fiz foi desrespeitar(-me) o caminho de evolução que venho fazendo, porque deixei que um simples telefonema em que a conversa foi desagradável me mandasse abaixo e estragasse um dia que tinha tudo para ser bom.

E sabem porquê? Porque mais que não queira, eu amo incondicionalmente a minha família, quer eles me tratem bem, ou mal. Quer-me respeitem ou não. Quer se interessem pelo que sinto ou não. E se eu estou num processo de evolução, eles não estão, por acharem que não precisam, por acharem que estão resolvidos em relação ao que passaram, por, enfim, eles lá sabem. E é difícil evoluir quando quem nos rodeia não está na mesma caminhada e quando confrontados sobre o que nos magoa, eles não querem ouvir, e ainda mais magoados ficamos.

E a vergonha que tenho de mim hoje é uma aprendizagem enorme. Hoje foi um dia mau, mas foi também um dia de aprendizagem. Amanhã é o dia de colocar o que aprendi hoje em prática. Amanhã e todos os outros dias. 

("O poder da coragem" by Brené Brown)

 

 

"Como fui capaz de os deixar viver naquela casa?"

05
Out19

A ausência do blog deveu-se a muitas causas, mas acima de tudo precisei de estar comigo, de perceber realmente o caminho que estou a seguir e limar arestas.

E quando pensamos que estamos no caminho certo, quando (finalmente) nos sentimos bem e tranquilos com nós próprios, surge algo que nos vem tentar. Pôr-nos à prova se realmente conseguimos manter-nos neste caminho ainda que apareçam pedras, buracos, barreiras...

No último post que vos escrevi falava do quanto as séries e os filmes nos influenciam e acabei a falar de um filme, quando, na verdade, vos queria falar de uma série: Big Little Lies.

Para quem não sabe, a série fala de três mães que têm aparentemente a família perfeita, mas um assassinato vem demonstrar que afinal...talvez não seja bem assim. 

Só que uma dessas mães é vítima de violência doméstica e o homem assassinado é o marido agressor. 

Durante as cenas de agressão, a mãe pensa sempre que os filhos pequenos nunca assistiram a nada, que pensam que ali só existir amor e que a morte do pai foi um (in)feliz acaso. Mas com a morte do marido, percebe que as coisas não são bem assim. Vê os filhos a serem violentos, a terem comportamentos incorrectos e descobre também que, inclusive, filmaram uma cena em que ela estava a ser agredida.

Conto-vos isto porque numa das últimas cenas em que aparece na temporada 2, esta mãe ao falar com uma amiga faz a seguinte pergunta: "como é que eu deixei que os meus filhos vivessem naquela casa?c".

E esta pergunta ficou-me na cabeça. Porque com a terapia eu também me comecei a questionar (não enquanto mãe, mas enquanto filha) como pude viver naquela casa, como é que alguém me deixou viver num ambiente agressivo. E também com a terapia percebi que não havia resposta para a minha pergunta. Ou pelo menos não a resposta que eu queria obter. 

Mas mesmo assim tentei. Um dia questionei a minha mãe sobre o que a fez manter o casamento durante tanto tempo, a resposta foi que achava que devíamos (os filhos) ter uma família, que ela não teve e que não queria que crescêssemos com o estigma de pais divorciados.

Naquele dia não lhe disse, aliás, até hoje eu não lhe disse, mas não acho que aquilo que me disse seja realmente a verdade. Aparentemente é um motivo altruísta, mas na verdade é extremamente egoísta, pois sempre pedi que se divorciassem. Sempre disse que não dava mais (e recentemente, fiquei a saber que o meu irmão também o pedia!).

Por isso, o motivo sempre foi egoísta. O amor obsessivo que sentia pelo marido, ainda que agressor, e, talvez, o facto de não ter tido uma família que a apoiasse, levaram-na a ficar. 

E ainda que eu saiba que a minha mãe sofreu (e ainda sofre), que tem marcas muito profundas do passado, não consigo entender como é que "foi possível deixar os filhos viverem naquela casa". 

E eu sou apenas a filha que quer compreender tudo o que passou. Sou apenas a filha que respeita o sofrimento da mãe, mas que também tem o seu próprio sofrimento e as suas marcas.

A filha que por mais perguntas que gostasse de fazer, sabe que não há respostas para o que se passou. E resigna-se. Apenas quer que o passado seja um exemplo do que não deverá ser feito no presente e no futuro.

Se dói? Há dias em que dói mais que outros. Há dias em que é tão fácil esquecer o que se passou e viver sem dor. Há momentos, frases, situações que mexem connosco de uma maneira que não esperávamos. Nós mudámos, eu mudei, mas as pessoas à minha volta não mudaram, não acompanharam a minha evolução e isso muda tudo. A minha forma hoje de ver as coisas é bastante diferente de há uns seis meses atrás. A minha forma de estar na vida hoje é serena, tranquila, sem raiva, sem sentimentos negativos.

Aprendi (ou decidi) que na minha vida só quero paz, amor e respeito.

Se não tiver isso, se não sentir isso, prefiro ficar sozinha, comigo própria, porque consigo.

Hoje sei que consigo.