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É possível viver para além disto!

É possível viver para além disto!

A noite!

20
Abr20

Isolamento. Aquela palavra que todos temos na cabeça há um mês e...qualquer coisa. Já nem sei desde quando estou fechada em casa, mas não é disso que vos quero falar agora.

Ao longo da minha vida, dormir sempre foi - hoje sei - uma óptima protecção. Enquanto dormia nada se passava. Não assistia a nada. Não sabia de nada. E era feliz no meio dos meus sonhos.

Dormir para mim é quase tão simples como respirar. É deitar a cabeça no braço do sofá, encostá-la ao banco do comboio ou a qualquer outro sítio que me conceda conforto para "passar pelas brasas".

Com excepção da noite. À noite sempre foi mais difícil de adormecer. O silêncio e o escuro levavam a minha mente para medos que nem eu própria sabia que sentia. Era onde se encontravam todas as minhas inseguranças. E demorava a adormecer.

Quando era pequena adorava adormecer no sofá. Sabia que, nessa altura, alguém me daria colo. Pegaria em mim com cuidado, levar-me-ia para a cama e tapar-me-ia com o cuidado de não me acordar. Hoje sei que adormecer no sofá era algo mais que o simples acto de adormecer no sofá.

Cresci. Mas adormecer no sofá continua a ser um hábito. Já não tenho quem me transporte para a cama com cuidado, mas adormeço acompanhada com a televisão ligada e sei que, em momento algum, no silêncio da noite as minhas inseguranças aparecem. A televisão distrai-me disso. Sei que não faz bem, mas é a única forma de eu a cair no sono à noite.

Neste isolamento passei por várias fases. Adormecia no sofá assim que acabava de jantar, desligando o wi-fi para que as notificações de conversas de grupos no whatsapp não me acordassem. Depois decidi que nos dias em que trabalhava (ainda que em teletrabalho) ia adormecer para a cama, vendo lá a televisão e programando para que se desligasse daí a 1 hora. 

Outros dias (a maior parte) houve em que a preguiça de me levantar do sofá e procurar o fresco da cama me fizeram adormecer no sofá e acordar às tantas da madrugada. Aí sabia que o sono tinha sido interrompido, mas também sabia que enquanto dormi no sofá não tinha sonhado com nada. O problema é que quando me mudava para a cama, aí no período entre as 5h30-7h30 da manhã, tinha pesadelos. Ou sonhos menos bons. E isso andava a ser frequente. Mais do que eu queria admitir. 

E tem sido assim. 

Mas ontem cansada de estar no sofá, decidi que o ideal seria ir adormecer na cama. Tinha passado o dia a ver filmes na sala e a tentar ler qualquer coisa e pensei que o melhor era pôr alguma coisa light na TV do quarto e adormecer já na cama, aí não havia interrupção de sono.

Pois, só que não aconteceu exactamente como eu imaginava. 

Adormeci relativamente rápido, quase sem televisão, porque entre o adormecer e a televisão desligar-se, o barulho incomodou-me e eu desliguei. Correndo o risco das minhas inseguranças voltarem, mas não. Adormeci em minutos.

Só que eram umas seis da manhã e acordei. Despertei. Vi as horas e pensei "ainda é de noite, posso dormir", senti o lusco-fusco vindo da janela e virei-me para o outro lado para dormir. E nada.

Sentei-me na cama. Não me conseguia recordar do sonho que me tinha levado a despertar. E aquilo incomodou-me. Depois ouvi um barulho. E tremi. Recordei o sonho. Ou pesadelo. Andara a ser perseguida, fugia de alguém ou de alguma coisa desconhecida. Mas não me lembrava demais nada.

Acalmei. Tentei que as pulsações abrandassem. Voltei a deslizar para dentro da cama e fechei os olhos. Não dava. Não parava.

Decidi que tinha que ligar a televisão e distrair os meus pensamentos com a coisa mais ridícula que estivesse a dar. Escolhi desenhos animados e voltei adormecer.

Voltei a sonhar. E aí o sonho trouxe-me os meus medos e inseguranças. Agora sei-o. Passei o dia todo a reviver o sonho. A aprender a lidar com ele. 

Sonhei que a minha Mãe tinha morrido. Mas que continuava ali ao pé de mim. Falava comigo, explicava-me o que aconteceria no momento em que me despedisse dela (no funeral, talvez). E eu ignorava o tempo todo que a minha Mãe tinha morrido. 

Lembro-me de termos ido a um café dos meus tempos de infância, onde era hábito os meus pais tomarem o seu café depois de almoço, de me darem os sentimentos. E de eu questionar essas palavras porque a minha Mãe estava ali ao meu lado, à frente daquelas pessoas. Não fazia sentido.

Também fomos a um jardim. Estranho nunca passeie num jardim com a minha Mãe. Somos ambas muito mais de praia. Nesse jardim vieram pessoas ter comigo, perguntavam quando era a despedida (mas qual despedida?!) e se eu estava bem (claro que estava, a minha mãe estava ali comigo!).

Não cheguei a sonhar com a despedida. A última imagem do sonho que tenho é a minha Mãe sentada numa mesa lá ao fundo a dizer "prepara-te". E acordei.

Acordei com o maior aperto no peito que alguma vez senti.

Peguei no telemóvel, precisava de falar com a minha Mãe, saber se ela estava bem. Mas o meu telemóvel notificou-me de um e-mail que dizia "Olá, (...)". Era trabalho, mas era da minha Mãe e descansei.

Dizem que sonhar com a morte dá anos de vida a essa pessoa. Não sei se dá ou não. 

Sei que o isolamento me está a trazer novamente ao de cima os meus medos.

Sei quem preciso de ter ao meu lado, já os escolhi há muito. Sei quem quis que saísse da minha vida, de sangue ou não. 

Só não sei lidar com isto. E este sonho ... deixa-me com medo de voltar a fechar os olhos esta noite. 

Sei que são apenas sonhos, sei que é apenas o meu inconsciente com tudo o que se passa a mostrar os meus medos, só que também sei que sou perita em reviver sonhos noites e noites seguidas. E tenho receio. 

E como se combate esse receio? Do silêncio e da noite? Nunca tinha pensado bem sobre o assunto. Agora sei que é algo que tenho que trabalhar. E vou fazê-lo.

É só mais um degrau a subir nesta etapa que é a Vida.

 

[Nota:

Ah, sim. Sempre sonhei muito. Sempre me lembrei dos sonhos. Sempre fui aquela criança que quando acordava conseguia escrever com exactidão tudo o que tinha vivenciado no mundo dos sonhos. 

Diziam que era por isso que dormia tanto. Porque enquanto dormia o meu corpo e mente não descansavam. Hoje acho que não era só isso.]