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É possível viver para além disto!

É possível viver para além disto!

Sozinha..sim ou não?

23
Abr20

Uma criança é sempre uma criança, seja em que família "calhar" e crescer.

Há aquelas crianças que ainda antes de nascerem têm o seu destino traçado, pais toxicodependentes, mães solteiras que não têm capacidade para cuidar delas, as que são indesejáveis, etc.. As chamadas crianças de risco.

Sempre achei que o "calhar" na família x ou y tinha um sentido. Algo estava destinado à nossa pessoa. Vínhamos com uma missão e se essa missão fosse mais difícil seria porque estávamos preparados para ela.

Eu calhei numa família cujo conceito de "família" não se pode usar. Fomos sempre uma família desunida.

Os meus pais falavam-se muito. A toda a hora. Mas união não havia. Era cada um por si na tentativa de sobreviver.

Eu e o meu irmão só não andávamos à chapada constantemente porque eu me queria proteger. E evitava-o.

De vez em quando tentava - na minha inocente forma de querer uma família - aproximar-me do meu irmão. Mas havia ali uma sensação de ódio que pairava no ar. 

Fui crescendo e fui procurando essa união noutras coisas, noutras pessoas. Na escola, no desporto, nas brincadeiras que sozinha inventava. Sempre achei que ganhávamos mais em trabalhar em equipa do que sozinhos. 

Sempre tentei incutir isso na minha família, mas sem sucesso. Esse sentido de equipa e união ficou em mim, ainda que na tentativa infrutífera de que os meus pais e irmão sentissem o mesmo. Ou melhor, quisessem o mesmo.

Já aqui falei sobre isto. Sei que nasci nesta família por algum motivo. O motivo? Esse ainda não sei, mas acredito que - ainda que no final da vida - o vou descobrir. 

E não foi sorte ou azar. Foi porque tinha que ser. 

E neste isolamento tenho pensado neste espírito de equipa que sempre quis incutir na minha vida. 

Quando se começou a falar no isolamento tinha duas hipóteses: manter-me no meu espaço ou fazer malas por tempo indeterminado e seguir para a cidade onde nasci, fazendo companhia à minha mãe.

No início a decisão pareceu-me simples: manter-me em casa. Estaria no meu espaço, com as minhas coisas e durante a semana trabalhava normalmente, ainda que em "tele-trabalho".

O tempo foi passando e começaram-me a questionar: "quando vais para a cidade?",  "mas tem alguma lógica ficar cada pessoa em sua casa?", "vais ficar aí sozinha?".

Ao que eu respondia: vou ficar aqui sozinha. Vou e pronto.

Não entendia a persistência da minha família. Protecção? Ao fim de mais de três décadas é que decidiam proferir o "espírito de união" que nunca tivémos? 

Não entendia. 

Tudo bem que vivo sozinha, que a minha mãe vive sozinha e que o meu irmão tem a sua família. A lógica seria ser eu a deslocar-me. Ou a minha mãe deslocar-se para ao pé do filho, porque não?

Não pensem que não ponderei tudo isto. Ponderei.

Só que pela primeira vez na minha vida, esqueci o que era ser uma "equipa" e pensei "individualmente".

E tinha que ser. Quando andamos tantos anos a lutar contra a corrente, esgotamos as forças. Eu sempre tentei chegar ao meu irmão, sem sucesso. Eu sempre tentei um equilíbrio entre os quatro, sem sucesso. Eu sempre quis dar-me com o meu pai, ainda que isso me magoasse. Eu sempre quis pensar como família, enquanto todos pensavam individualmente.

Eu que sempre pensei nos outros e não em mim. Desta vez, decidi que era altura de pensar em mim e do que me faria bem.

E aqui estou, não propriamente sozinha, felizmente. Mas em minha casa, no meu espaço.

Este isolamento e esta decisão não foram tomados de ânimo leve, claro. Havia que ponderar os prós e contras, havia que ponderar se seria capaz de me aguentar tanto tempo comigo própria. Não sabia se o era. Era um risco.

Não me aconselhei com ninguém. Fui deixando a água correr, consciente de que a cada pergunta, a minha resposta era: "eu fico".

Hoje enquanto fazia "scroll" no instagram deparei-me com uma frase que era "és a tua prioridade?" e parei. Estanquei naquela publicação. E reflecti. E depois fiz algo que raramente faço, comentei: "este isolamento trouxe-me exactamente a resposta a isso. Hoje sou a minha prioridade e que bom que é.".

Mas acrescento. Depois disto sei o que quero e o que não quero. Sei o que quero receber da minha família e do resto da vida. Sei o que mereço receber. E sei o que não quero.

E durante anos não soube. Ou não sabia. Ou ignorava que não recebia aquilo que merecia. Que recebia, muitas vezes, o que não queria.

E se é verdade que ainda quero a união, o espírito de equipa. Duvido que o isolamento para as restantes pessoas da minha família tenha trazido isso. Há uma preocupação necessária, mas não sei se sempre genuína. Há, sei hoje, muita coisa escondida neste isolamento e isso entristece-me.

Por isso, posso não ter nascido na família funcional, posso não ter conseguido transmitir aos outros membros o espírito de união, posso, até, durante anos, ter-me esquecido de mim. E posso ter demorado a aceitar isso.

Mas este isolamento trouxe-me a força necessária para dizer, nada mais, nada menos, que eu sou a minha própria prioridade. E se isso for assim, posso tudo, sem medos. Até estar mais de um mês sozinha em casa. 

Na verdade, nunca estive sozinha em casa. Nunca me senti sozinha em casa. Porque estive sempre comigo.

E isso...já ninguem me tira!

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